segunda-feira, 18 de julho de 2011

UMA 'TROIKA' SEM CORAÇÃO

Por Ludovico Agrícola (*)

COMPREENDO que queiram curtir a bisbilhotice da troika até ao tutano (disse BMW) mas não se iludam, a troika não tem coração, é tão esfíngica e desapiedada como o triângulo das Bermudas. Os triúnviros mais parecem andróides do que seres humanos, fazem-me lembrar o protagonista de um conto de Philip K. Dick, o sr. Garson Poole, que descobriu, às tantas, que a sua realidade consistia em fita perfurada a passar de bobina em bobina no interior do seu tórax. ‘The Electric Ant’ foi publicado em 1969.

Neste conto, porém (prosseguiu BMW), o andróide acaba por perfurar totalmente a fita, e o seu mundo, tal como o dos outros personagens, desaparece. Não é esse o caso das criaturas que constituem a troika, cuja função é fazer desaparecer, tão-somente, os vestígios de sangue causados pelos mercados financeiros e pelas agências de rating, obrigando as vítimas a pagar com juros.

Em ‘Pulp Fiction’, a fita de Tarantino, há um personagem semelhante, Winston ‘The Wolf’ Wolfe (Harvey Keitel), que vem limpar o sangue e os miolos espalhados pelos estofos do automóvel em que um tipo foi morto a tiro por lapso. Quando lhe perguntam o que faz na vida, Wolfe responde: ‘I solve problems’. Mais concisa é a resposta de ‘Léon’ (Jean Reno), na fita de Luc Besson. Quando a serigaita que ele se sente obrigado a proteger lhe pergunta pela profissão, Léon responde: ‘Cleaner’.

Como vê, meu caro Ludovico, já chegámos ao mundo da ficção, no qual se encaixa melhor o mundo da política. Aqui há sempre quem reclame grandes barrelas, mas quem quer limpar é, regra geral, pior do que quem sujou. A política não é um reino de andróides e gangsters. É, sobretudo, um mundo de gigantes e anões, em que os gigantes escasseiam (se é que não desapareceram de todo) e os anões proliferam como os coelhos.

Os meus amigos Fradique e Cassandra Silva, de quem fui vizinho em Colares, dizem-me que, por cá, já há quem não distinga entre ‘O Príncipe’ de Maquiavel e ‘O Principezinho’ de Saint-Éxupéry. Paradoxalmente, os únicos que terão lido o florentino de fio a pavio - Portas e Louçã - são os que mais parecem oriundos do asteróide B 612. Fradique, anticomunista primário, trata o secretário-geral do PCP por pitecantropos Jerónimo mas reconhece que ele diz, muitas vezes, verdades duras como punhos fechados.

Sócrates e Passos Coelho também lhes merecem sérias reservas. Não entendem como é possível que o chefe do PPD seja tratado como o ‘Obama de Massamá’ e ficam espantados com a dupla que ele faz com o ‘brigadeiro escarlate’, Eduardo Catroga. Quanto a Sócrates, a minha amiga Cassandra, mais subtil e menos reaccionária que Fradique, acha que, se ele vivesse no tempo dos Plantagenetas, teria a mesma sorte que Ricardo II, tal o ódio que suscitou nos adversários. Mas por cá ninguém se magoa, diz ela.

Já os andróides da troika (acrescento eu) consideram que o nosso estilo bombástico e lapidar só é bom para fazer inchar anões. E presumem que os gigantes estarão a olhar cá para baixo, para esta pequena comédia, e a rir.

Thomsen, Kröeger, Rüffer, benditos sejam! E o nosso Durão Barroso também!

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«Expresso» de 14/Maio/ 201

(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso

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