segunda-feira, 22 de agosto de 2011

DE DOUTOR A ENGENHEIRO

BONDADE imensa a do Mário Crespo, que me encarrapitou nas cumeadas da república, logo a abrir a crónica que dedicou à altercação entre Teresa Caeiro e eu próprio na SIC Notícias. Claro que, quanto mais alto o cume, maior o trambolhão que eu daria. Mas, ao invés do que ele sugere, não sofro de qualquer «complexo do doutoramento nacional». Nunca fiz nem desejei fazer doutoramentos, muito menos um doutoramento ad hoc.


A Licenciatura em Direito (que só dá direito a dr., não a Doutor nem a Prof. Doutor), obtive-a na Universidade de Lisboa no tempo da outra senhora. Aluno de cinco ministros de Salazar (Raul Ventura, Paulo Cunha, João Lumbrales, Marcelo Caetano, Cavaleiro Ferreira), nem assim fui contaminado pelo «complexo do doutoramento nacional», que, segundo Mário Crespo, é revelador de «questões de fundo da nossa sociedade».

Saliento que, na altercação com Teresa Caeiro, ela não me tratou apenas por «senhor» – estilo «o senhor diz», «o senhor faz», «o senhor acontece», no tom coloquial por vezes adoptado nos frente-a-frente. Não. Ela tratou-me por «senhor Alfredo», e não simplesmente por «Alfredo Barroso», como sempre fizera em meia dúzia de debates anteriores.

Que a intenção dela era «um insulto realmente duro para tentar humilhar um oponente», é o próprio Mário Crespo quem o afirma. Por isso me espanta que ele ache «espantoso» ter eu reagido ao insulto. Nem se lembra dos outros insultos que ela me dirigiu. Mas Teresa Caeiro é reincidente. Também Fernando Rosas teve de a meter na ordem, noutro frente-a-frente, por ela estar a ser «impertinente, ignorante e incompetente».

Nunca exijo que me tratem por dr. mas apenas que me tratem com respeito. Não serei tão «saudavelmente moderno e desempoeirado» como o Super-Álvaro, mas não sou tão reaccionário e extravagante como o «génio de Vancouver». Li um livro dele para tentar perceber em que terra é que assenta os pés. Duvido que seja em Portugal!

Admiro a cultura anglo-saxónica, mas não consigo ludibriar o meu código genético (nasci em Roma, filho de uma italiana de Treviso e de um português de Portimão). Não troco a cultura latina pela cultura anglo-saxónica. Sei de virtudes e defeitos de cada uma delas, admiro ambas, não desprezo nenhuma. Mas o WASP (White Anglo-Saxon Protestant) não me fascina. Faz-me lembrar que, em matéria de preconceitos sociais e racismo, as sociedades inglesa e americana são bem piores do que as europeias.

Pergunto: alguém imagina o PM britânico, David Cameron, a dizer ao seu motorista oficial: «Trate-me por David»?! E alguém imagina Mário Crespo a tratar o ministro da Economia por «senhor Álvaro» ou mesmo só «Álvaro»?! Por exemplo: «Ó Álvaro, você não acha que a sua proposta de baixar a Taxa Social Única entre 10 % e 20 % é um insulto aos trabalhadores e aos desempregados?!». Ou então: «O senhor Álvaro não acha que o aumento brutal dos preços dos transportes públicos é um insulto aos trabalhadores que vivem nos subúrbios e ganham salários de miséria?!».

Para rematar. Quando morava no Restelo, comprava jornais num quiosque frente aos pastéis de Belém. O dono, homem simpático e malicioso, tratava-me por «senhor engenheiro». Um dia decidi esclarecê-lo. Ele saudou-me: «Bom dia, senhor engenheiro!». Eu pedi-lhe: «Trate-me só por senhor, ou então por doutor. Eu não sou engenheiro». Ele respondeu: «Fique descansado, senhor engenheiro»! E foi deste modo que não consegui resolver «uma das questões de fundo da nossa sociedade»…

«Expresso» de 20 Ago 11

2 comentários:

Unknown disse...

Não seria o facto de ser amigo do Alfredo Barroso - para a senhora Teresa o «senhor» Alfredo - que me dispensaria de o vir aqui felicitar pela resposta dada ao senhor Crespo, insinuando que o Alfredo teria um qualquer «complexo do doutoramento nacional».

Que, por ser um perito de nomeada como correspondente da RTP nos EUA in illo tempore, aparece agora a tentar reincidir na falta comet..., perdão, na função do antigamente.

Mas, Crespo foi mais longe; o alegado «complexo» é revelador de «questões de fundo da nossa sociedade». Colherada bem metida pelo insigne apresentador televisivo encartado e comentarista desencantado. Quosque tandem, Mário, abutere patienta nostra?

Ou será senhor Mário?

Rui Baptista disse...

O Senhor Mário Crespo (e não Senhor Mário, "tout court") é a última pessoa para discutir o tratamento a dar a indivíduos com cursos superiores por estar a falar de uma "coisa" que não lhe diz directamente respeito..

Cada um tem as "peneiras" que entende e merece ou não. O Senhor Mário Crespo, passeava-se pela antiga Lourenço Marques de blaser azul escuro e gravata...em pleno verão!

Cada um dintingue-se do seu semelhante como pode, e uma gravata sempre é mais fácil de adquirir que um canudo anterior aos facilitismo que se instalou nestas últimas décadas em Portugal.